quinta-feira, 18 de agosto de 2011

João e Maria – Terror



Em meio ao barulho atordoante da floresta, uma simples casa resistia a maldição do inverno rigoroso e da fome avassaladora. Dentro desta velha casa, residia uma pobre mãe e seu casal de filhos miúdos, João e Maria. O pai havia morrido de cólera durante a primavera, seu corpo foi enterrado embaixo de uma das arvores da floresta, próximo a casa tosca.

A pobre mãe que guardava o que podia para alimentar os pequenos na tenebrosa neve de meses, se via quase que sem nada, pronta a se entregar ao frio braço da morte. João tinha apenas 12 anos, mas vasculhava a floresta em busca de animais mortos para alimentar a pequena irmã Maria e a mãe, mas raramente tinha sucesso em sua busca.


Certa vez a mãe enxergou um vulto ao alto da montanha. Era um homem cansado, segurando em uma das mãos um veado abatido e destrinchado, e em outra mão uma grossa espingarda. Trajava roupas de soldado e caminhava ferido, em meio a neve e aos galhos secos. Ela correu até ele e o sentiu desmaiar em seus braços, o levou para casa e limpou seus ferimentos de guerra.

O homem acordou com o cheiro de uma sopa... As crianças vorazes comiam a mesa, enquanto o ouviam contar sua história:

Eramos em 112 contra as tropas do rei George. Em meio a balaços e cabeças decapitadas, me banhei do sangue de meus companheiros e fui jogado na valeta, junto com os mortos. Antes que ateassem fogo, me arrastei até o lago e fugi. Vaguei a 93 dias por esta floresta fria, até encontrar sua ajuda, boa senhora.

O soldado bebeu da sopa e olhou João e Maria, apreciarem da carne do veado.

É preciso comer apenas o necessário – Advertiu – Este inverno durara mais um mês e tanto...

A mãe arrancou os pratos da mesa e guardou a carne, o soldado adormeceu e as crianças foram brincar lá fora


Seis meses correram ligeiro. João corria em desespero pela floresta densa... Seu coração pequeno disparava diante a perseguição, ele parou diante uma arvore e sentiu uma corda suja enrolar seu pescoço:

Moleque desgraçado! Acha que pode fujir de suas obrigações assim?

Era o soldado, agora na condição de seu padrasto. João foi empurrado no chão, e com medo, tentava fujir de mais uma surra violenta... A corda enlaçou seus pés pequeno, o padrasto atirou a outra ponta da corda sobre um galho alto e a puxou, arrastando João até pendura-lo de ponta cabeça. O pobre menino gritava em desespero, indefeso, enquanto o homem voraz o chicoteava com a outra ponta da corda:

Moleque vadio! Você vai fazer o que eu mandar! O que eu mandar! Você entendeu seu merdinha?

Maria e a mãe chegaram desesperadas e viram o menino pendurado, com vergões pela face nua. A mãe se ajoelhou diante os pés de seu homem, ele a empurrou e babando indagou:

Ele precisa aprender! Precisa aprender o que é ser um homem de verdade!

Após o odioso episódio, João carregava a lenha e a empilhava atrás da casa, tremendo e com o corpo tilintando de dor.

Maria costurava com a mãe os couros da caça do padrasto. Eram meses muito bons e toda a carne foi estocada em um comodo fora da casa, construído por João e o carrasco.


O tempo corria e mais uma vez o inverno rigoroso se aproximara. João escondido em cima de uma arvore mirava cauteloso a espingarda para um gordo Javali. Do outro galho ouvia as instruções:

Olhe para ele, João... Olha bem para ele... É grande não? Vai nos garantir boa refeição durante o inverno odioso. Mire certeiro, João! Mire na cabeça e atire sem pesar... Atire para matar, não deixe que ele fuja... Se isso acontecer, teremos que nos contentar apenas com a carne seca armazenada na estocagem.

João respirava fundo e com medo mirava, temendo errar e ser surrado:

Acerta ele João... Acerte na cabeça... Não de chances dele fujir! Acerte agora!

Um tiro ecoou pela floresta que começava a ficar fria. Os pássaros que migravam para o norte voaram mais rápidos... O javali grunhiu ao ser alvejado e correu sangrando por entre as arvores que perdiam as folhas.

O padrasto pulou no galho em que João estava, tomou a espingarda de sua mão e deu uma coronhada em sua testa. O pobre menino despencou a quatro metros de altura, caiu de olhos abertos e os fechou desmaiando. O homem escarrou em cima dele e bradou:

Falei para não errar, seu filho da puta!

Era tarde da noite quando o menino acordou com a testa enfaixada por um pano velho. Se levantou ainda tonto pela pancada, escutando um barulho selvagem vindo do quarto da mãe. Olhou para o lado e viu o grande Javali abatido, pendurado pela mesma corda que o surrava, a barriga aberta, limpo, sem nenhum dos órgãos internos. João caminhou descalço até o quarto da mãe, e a viu sendo possuída com violência pelo padrasto.

A cabeça da mulher era pressionada contra a cama dura, enquanto ele a invadia como um animal, batendo em suas nádegas roxas com a outra mão. O ex-soldado, sem parar o ato, o olhou e ordenou:

Vá para o seu quarto, pivete de merda!

João se afastou e dormiu com dificuldade, pensando em toda a barbarie que havia começado em sua vida desde a chegada do homem sujo..


Na manhã seguinte o homem embaixo da arvore chamou Maria. A menina veio correndo. Ele apontou para o chão e perguntou:

Quem esta enterrado aqui?

Era a cova de seu pai. Maria olhou para os lados, se lembrou da mãe e da ordem que recebeu para não contar sobre a cova. Ela tremia, tentando esconder a verdade. O homem segurou com a mão forte seu queixo, o apertou e perguntou novamente:

Vamos lá, responda Maria: Quem esta enterrado aqui?

Ela diante a dor, olhou em seu rosto e confessou:

Pa-Papai...

O homem a soltou. Maria passou as mãozinha no queixo ferido e o ouviu dizer:

Quero que o desenterre. O desenterre e se livre dos ossos. Não quero o ex de minha mulher enterrado em meu quintal! Faça até o entardecer.

João sentado com o padrasto, via a irmã sofrendo para desenterrar o pai da terra seca e gelada. O ex-soldado o olhava curioso. Por fim falou:

Você quer ir até lá ajuda-lá, não quer João?

O menino consentiu com a cabeça. O padrasto sorriu com seus dentes amarelos. Acendeu um paieiro de fumo e falou:

Você parece ter pena das mulheres. Não deveria. A Maria é preguiçosa, fazemos todo o trabalho enquanto ela só come e engorda. Não deveria ter pena das mulheres, João. Elas são bem pra isto mesmo, para nos serem uteis, na cama, na cozinha ou até mesmo no quintal desenterrando velhos defuntos.

João o olhou raivoso:

Viu como eu fodi sua mãe? Você pode até não acreditar, mas ela bem gosta de tudo aquilo João. E quando a Maria crescer mais, farei o mesmo com ela... E quer saber? Ela herdou a subimissão de sua mãe... Acho que gostara, assim como ela.

João nervoso pulou em cima do padrasto. O homem ria enquanto o dominava facilmente e continuava a dizer:

Não fique tão brabo, João... Isso ainda vai demorar alguns anos... Até lá você vai ter a chance de defende-la. Porque agora você não passa de um pirralhinho ranhento e fraco.

O homem grotesco o empurrou no chão e saiu, rindo de toda a desgraça do menino, enquanto Maria batia a p´´a, tirando aos poucos a terra congelada..


Maria enfim arrancou todos os ossos do pai da terra e os colocou em um saco velho. Já era tarde, estava quase que escurecendo quando ela caminhou com ele até a estrada do antigo cemitério, aonde repousavam os restos de seus avós.

Era noite quando ela entrou na casa tosca, toda suja de terra. Os três comiam sopa a mesa. O padrasto parou de comer e lhe falou:

Chegou cedo, Maria. Tenho minhas duvidas se realmente deixou os ossos velhos de seu pai no cemitério.

Maria nada respondeu. Ele a chamou. Ela toda suja se aproximou dele. João parou de comer e os olhou assustado:

Você é uma boa menina – Disse ele alisando seu rosto que havia ferido – Sabes que sempre vai poder contar comigo, mas nunca mais esconda nada de mim. Agora vai se banhar. Você esta fedendo.

Sim, papai – Respondeu Maria, provando a João que era tão submissa quanto a mãe.

A menina foi até o fogo e pegou a agua quente. João encarou o padrasto que sorriu e bradou:

Como tudo pirralho. Você precisa ficar forte... Precisa crescer forte pra um dia poder cuidar melhor da sua irmãzinha!

Naquela noite, João não conseguia dormir com o insuportável barulho do padrasto violentando sua mãe. Ele que não podia se defender, tremia de dar pena, até pegar no sono.

Na manhã seguinte ela apareceu com os olhos roxos, enquanto o padrasto limpava a arma de caça:

Hoje é o ultimo dia, João – Disse ele, extremamente dedicado a arma – O ultimo dia para se caçar... Amanhã o inverno virá com tudo, avassalador, nos privando de qualquer chance de caçar nos próximos 90 ou 100 dias. Mas não se preocupe se nada acharmos hoje. Nosso estoque esta cheio, sobreviveremos a este inverno.


Os dois vagavam pelo frio que já invadia a imensa floresta. O padrasto ia na frente, e João logo atrás... A neve fina dava o primeiro sinal, João o seguia com atenção, ele parou e sorriu, apontando a arma para três lobos cinzentos ao longe, que devoravam um veado recém abatido:

Consegue vê-los, João?

Sim...

Olhe com atenção, pirralho... Três lobos cinzentos, famintos.

Vai mata-los? – Perguntou o menino curioso.

O homem abaixou a arma e sorriu respondendo:

É claro que não seu moleque. E você sabe porque? Porque eles são como nós... São caçadores, predadores que só querem sobreviver ao caos da natureza. Não merecem morrer, não pelas nossas mãos. Talvez pela de Deus.

Poderíamos mata-los, ou ao menos afugenta-los e pegar a caça que conseguiram...

O padrasto alisou a cabeça de João e sorrindo forçado perguntou:

Você não aprendeu nada, não é menino? Não posso mata-los, porque eles são como nós. É da natureza deles sobreviverem, e eles o farão a qualquer custo. Vamos deixa-los e voltar pra casa. Como eu te disse antes, temos o bastante, e parece que eles não. Mas eles acharam um jeito de sobreviver.

João o seguiu, percebendo ali que ele não era tão tolo.


O frio intenso devorou de vez toda a floresta. João tentava pensar em um jeito de se livrar de seu padrasto, enquanto as folhas resistentes se entregavam a geada dura. Os dias correram e viraram semanas, e em uma noite tranqüila, João ouviu um barulho vindo da estocagem. Se levantou assustado e constatou o pior... As grossas tabuas haviam sido ruidas e ele enxergou um rabo cinza:

Lobos!

João correu para o quarto do padrasto e o avisou... Os dois desesperados foram até a estocagem... Os três lobos que a tudo devoravam, foram confrontados pelos dois. O menino João desarmado, foi atacado por um lobo cinza... O padrasto em posse da arma, disparou contra o cranio do lobo velho, o derrubando ainda no ar, próximo a jugular de João.

O homem nervoso disparou contra os outros dois lobos, mas os mesmos fugiram em espetacular fuga, ainda arrastando a carne seca... João olhou a estocagem devorada e lamentou.

O inverno rigoroso seguia... Os pratos com pouca comida denunciavam a extrema escassez. O padrasto revirava a floresta atrás de comida e dos lobos, enquanto João construía armadilhas em meio a floresta congelada.

Um dia a esposa do ex-soldado procurava lenha para cozinhar ossos, quanto um estranho homem surgiu dos montes. Tinha carne seca pendurada na cinta... Ela o encarou e o ouviu dizer:

Não tema, mulher. Busco por um antigo comandante. Um maldito desertor que deixou uma batalha pelo meio, facilitando a vitória do inimigo. Um vendedor de munições disse que um homem vestido de soldado trocava carne por balas, e que residia por aqui.

A mulher o olhou raivosa e indagou:

Meu esposo é caçador. Achou um soldado defunto já em decomposição... Arrancou suas roupas e jogou o cadáver no rio gelado. Talvez seja o soldado que procura.

O homem bebeu um gole de wyskey e sorriu banguelo:

Talvez seja... Mas aquele não é o tipo de homem que se morre fácil não, dona... Fui encarregado de leva-lo vivo ou morto... Não quero ter que revirar o lago congelado. Minha esperança é que a senhora esteja mentindo para mim.

A mulher se calou. Ele continuou a dizer:

Sei que é difícil, dona... Talvez a senhora tenha se apegado a ele. Ficarei acampado próximo ao tal lago nos próximos três dias... Como eu já lhe disse, ele está congelado, não posso mergulhar para encontrar a ossada. Nem é por isto que ficarei lá. Ficarei até a senhora decidir entrega-lo a mim.

O homem saiu. A mulher pensativa tratou de esquece-lo.

O marido chegou mais uma vez de mãos vazias. A fome o fez ainda mais louco... Ele olhou para as panelas limpas e foi ao quarto. A mulher foi atrás, arrancando a roupa e se deitando ao seu lado. Ele a ignorou e de olhos abertos condenou:

Temos que mata-lo.

Ela arregalou os olhos:

Matar quem homem?

O grotesco sorriu:

Matar o João... É o único jeito. Ou fazemos, ou morremos de fome!

A mulher se calou e tentou dormir... Sabia que ele faria, pois estava bem decidido... Não arrancaria aquela idéia suja da cabeça.


Pela manhã ela o acordou com chá de cidreira. O olhou nos olhos e disse:

Eu faço.

Ele sorriu diante sua coragem e perguntou:

Fará?

Sim... Levo os dois em meio a floresta e os sacrifico.

Não – Disse ele nervoso – A menina não! Eu a desejo!

A mãe indignada lamentou... Olhou para o marido e implorou:

Piedade... Matemos os dois, não precisa dela... Não a nada que ela poderia fazer por você que eu não faça melhor... A carne deles pode nos deixar vivos ao longo de todo o inverno...

O homem sorriu, concordando.

Maria escondida a tudo ouviu... Correu ao quintal, onde João vistoriava as armadilhas vazias... Ela respirou fundo e contou:

A mamãe... A mamãe e o papai estão...

Ei – Interrompeu João – Aquele desgraçado não é nosso pai. Sei que você cresceu um pouco aos cuidados dele, mas nosso pai é aquele que você levou os ossos ao cemitério.

Maria concordou... Se acalmou e contou:

Eles planejam nos devorar... Mamãe nos levará a floresta e nos assassinará... Ela concordou com ele... Nos matará e levara nossa carne para a nova estocagem!

João a olhou e a acalmou:

Mamãe jamais faria isto...

Ela fará João. Fará sim... Você acredite ou não.

A mulher chegou com um saco na mão. Os chamou para ir até a floresta. Os dois pequenos se olharam e Maria alertou:

Vai ser agora João...

Pegaram a estrada rumo ao cemitério. No meio do caminho, Maria parou diante uma grande arvore, pegando um grande saco:

São os ossos do papai... Não tive coragem de leva-los até o cemitério João... Se eu for morta, quero estar junto dele!

João a olhou e se lembrou do que o padrasto lhe disse:

A Maria é preguiçosa, fazemos todo o trabalho enquanto ela só come e engorda. Não deveria ter pena das mulheres, João...

Infelizmente o desgraçado estava certo, Maria não teve coragem para sepultar os ossos do pai e os deixou escondidos a sombra de uma arvore velha.

Quase chegando ao cemitério, a mulher parou diante um novo atalho e anunciou:

Vamos para o lago, crianças...

Eles a seguiram, logo avistaram uma pequena tenda verde. A mulher se aproximou. O homem que dormia acordou e a recepcionou. As crianças famintas o olharam, ele arrancou os filetes de carne da cintura e jogou a elas. A mulher o olhou, arrancou a espingarda de dentro do saco e contou:

Esta é a arma dele.

O homem sorriu. Se aproximou cauteloso. A mulher mirou a arma em sua cabeça e indagou, antes de atirar:

Não vou deixar você arranca-lo de mim!

O tiro ecoou em meio as arvores secas e geladas... O homem caiu com um buraco no cranio. A mulher jogou duas facas da bolsa e as deu a João e Maria:

Descarnem o desgraçado. Vou levar os pedaços dele!

João e Maria obedeceram... Retalharam todo o homem, colocando a carne no grande saco. Diante apenas dos ossos e as tripas, olharam para a mãe, que os abraçou e ordenou:

Ele carrega carne seca . Peguem ela e fujam para a floresta... Voltarei para casa e direi que esta carne é de vocês... João, cuide da sua irmã e não voltem nunca mais... Se voltarem, ele matará vocês... Me escute meu querido... Faça o que mando e vocês sobreviveram!

João obedeceu. Pegou as carnes secas estocadas pelo homem e adentrou na floresta com Maria.

A mãe abraçou a grande sacola com a carne do morto e a levou pro barraco tosco.

João cortava por entre os galhos secos, adentrando com a pequena Maria cada vez mais nas profundezas da floresta... Parou e sugeriu:

Maria, pegue os ossos do papai. Jogue-os ao longo de nossa jornada, para que possamos voltar, caso a carne acabe e passemos fome... Poderemos voltar pra casa e confrontar nosso padrasto, será melhor enfrenta-lo mais tarde do que confrontar a morte!

Maria concordou e obedeceu, invadiram o caminho desconhecido, enquanto Maria atirava os ossos do pai pela nova trilha.


Enquanto vagavam, roíam a carne velha, invadindo a floresta cada vez mais, sem nada encontrarem. Quando a noite se aproximava, paravam e acendiam a fogueira. Maria mastigava o tempo todo... João tomou a carne de sua mão e indagou feroz:

Não como tudo Maria! Só o pai do céu sabe quando encontraremos alguma coisa... Estamos vagando a dias, talvez a semanas...

Maria ameaçou chorar. O dia raiava, João juntou as coisas e novamente caminhou, racionando a carne para durar o mais tempo possível.

Semanas se passaram. Maria já muito magra, mastigou sozinha o ultimo filete de carne. João a olhou e disse desanimado:

Temos que voltar... Temos que voltar pra casa!

A fé abandonou de vez o coração do menino. Seguiram então a trilha de ossos... João sabia que estava a semanas longe de seu lar, mas também sabia que se desanimasse, se entregaria morte e morreria ali mesmo, em meio ao gelo.

Então avistaram próximo ao fêmur do pai dois lobos selvagens o roendo... João olhou assustado e os espantou. Os lobos ao longe rangeram os dentes, João então não teve duvidas, eram os dois lobos que invadiram a estocagem. Os cinzentos estavam cada vez mais próximos deles... João corajoso se armou com um pau pontiagudo, o lobo pulou em um galho de arvore, o encarou feroz e disse pronto a atacar:

Esta muito longe de casa, menino...

João delirava pela fome... Se espantou por ouvir o lobo lhe falar. Maria não ouvia, com medo se escondia atrás do irmão.

O outro lobo feroz correu em sua direção. João raivoso fechou os dentes e se preparou. O lobo de cima da arvore olhou paciente... João arremessou o pau pontiagudo, atingindo em cheio no coração do lobo...

O outro de cima da arvore uivou... João se aproximou do lobo abatido, arrancou o pau de seu peito e se voltou ao outro, que raivoso bradou:

Você matou minha irmã, João... É até justo... Mas não se engane, seu padrasto estava certo... Somos iguais, e vai chegar a hora em que farei o mesmo com você!

João se aproximou da loba abatida... A abriu e limpou. Olhou para a irmã e disse:

Agora temos carne para terminar de cumprir com o inverno. Vamos continuar o caminho que estávamos, pois o de volta pra casa esta perdido.

Os irmãos seguiam, o lobo cinzento ia atrás, distante. João parou, arrancou um pedaço da loba e atirou a ele. Ele a devorou aos poucos, sem tirar os olhos do menino...

Ao longo do caminho João comia, alimentava a irmã e o lobo cinzento... O inverno acabou junto com a carne. O esperto menino fez novas armadilhas e agora conseguia se alimentar e seguir sempre em frente. O lobo ainda os seguiam, João sempre o alimentava, era este seu novo habito.


Depois de outros tantos meses e dias, João chegou até uma longa estrada que dividia a floresta que estava de uma outra. João olhou assustado a nova floresta, de arvores muito diferentes das que conhecia. O lobo parou de longe. João olhou para Maria e indagou:

Poderemos decidir: Ou entramos na floresta ou seguimos este caminho para um dos lados.

Maria o olhou e opinou:

O mundo esta em guerra, João... Pode ser que se seguirmos a estrada, cheguemos a uma cidade arrasada e dominada por soldados. Agora se adentrarmos na floresta, poderemos encontrar um pacifico vilarejo. Melhor enfrentarmos o que já conhecemos do que nos aventurarmos contra homens armados.

João a ouviu, e entraram em meio a mata fechada. O lobo parou de segui-los, como que se soubesse o que tinha lá dentro... Não queria enfrentar, e voltou para trás, em busca de sua própria jornada.

Maria corria em meio ao desconhecido, enquanto mascava a carne da caça fresca, se deliciava estasiada, lambendo os dedos gordos, feliz por buscar vida nova.

João avistou uma bela casa em meio ao nada, com quintal limpo, carregado de arvores frutíferas. Uma grande hortas bem irrigada corria próximo a casa, e em um cercado porcos, coelhos e galinhas eram mantidos limpos e bem cuidados. João nunca havia visto aquilo, sequer conhecia alguns daqueles bichos e frutas... Correu com Maria até a propriedade e juntos desfrutaram de todos os prazeres mostrados pelo lugar.

De dentro da casa uma senhora ouviu o atordoante barulho de sua matilha de cães... João e Maria ignorava o rosnar das feras e subiam nos pés de fruta, se deliciando com os sabores que para eles eram total novidade. A Senhora saiu munida com uma vassoura e ralhou aos meninos:

Vermes imundos, sujos e empesteados! Como ousam invadir meu lar?

João desceu as pressas do pé de manga e se defendeu:

Me desculpe, minha senhora... A principio nos pareceu tentador... Nunca vimos tamanha fartura. Estávamos perdidos, viemos de muito longe e por conveniência entramos aqui e encontramos essa maravilha. Não nos julgue por este ato insolente, somos humildes e pobres, o que a senhora tem nos pareceu boa sombra e optamos por apreciar...

Sem mais desculpas, fedelho imundo – Interrompeu a mulher raivosa – Minha propriedade não é local de balburdia, tampouco de deguste a fedelhos sujos. Estranho como meus cães apenas ralharam e não devoraram seus ossos fracos! Pelo menos é o que fazem a invasores!

João baixou a cabeça e humilde falou:

Eu converso com cães e lobos, senhora... Eu os escuto e eles me escutam. Não ousam me atacar. Não é a toa que atravessamos uma densa floresta gelada, enfrentando tais criaturas.

A senhora sorriu:

Lobos não ousam adentrar em minha floresta, agora os cães protegem minha propriedade da invasão de soldados, que vem mapear o lugar... Não entendo o prazer que os homens sentem em desbrava o desconhecido... Meus bichos já destrincharam dezenas deles... A guerra é longe daqui, mas eles se espalham pelo mundo... São como pragas... Insetos sujos que matam em nome de seu Deus.

A senhora olhou para a outra arvore, olhou com atenção para a menina que devorava sem parar uma grande e madura jaca:

Aquela fofinha é sua irmã, meu jovem?

Sim minha senhora. Seu nome é Maria, como eu enfrentou a fome e os lobos. Não vamos mais incomoda-la, sairemos de sua floresta e iremos para a cidade, em busca de um abrigo.

A senhora riu desgraçadamente. Maria desceu da arvore satisfeita, abraçou João e viu a mulher entre gargalhadas perguntar:

Quantos anos tens, menino?

Treze, senhora... Estou próximo dos catorze.

Ela alisou os cabelos de João e lhe contou:

São tempos sujos de guerra, meu jovem... Não há lugar melhor que aqui! Muito me interessei pelo fato de você conversar com caninos... É um dom louvável e seria tolice de minha parte não apreciá-lo – A mulher se aproximou mais de João, que mostrava um busto forte e características firmes de um saudável adolescente. Ela correu o dedo em seu ombro e propôs – Você e a bolotinha de carne podem ficar, podem apreciar do conforto e da fartura de minha propriedade. Em troca, peço que adestre meus cães, que os ensine a ser mais eficazes, mais cruéis e objetivos... Como viu, não são de tanta valia, já que você e sua irmã facilmente entraram em meus domínios. Você aceita, meu jovem?

João sorriu diante a ótima proposta. Maria olhou a sua volta, toda aquela fartura. Se voltou ao irmão e o ouviu responder:

Passamos por tempos difíceis, minha senhora. O conforto de seu lar será como uma recompensa a todas as adversidades que nos corrompeu. Eu aceito ficar e adestrar seus cães.

A mulher sorriu se apertando as duas mãos. Maria correu pelo vasto quintal, enquanto João tratou de ser apresentado a matilha de cães, que eram num total de doze.


Mais de um ano se passou desde a chegada de João a propriedade da estranha mulher, que mais tarde ele foi chamar pelo nome de Efênia.

João aos 16 anos, estava próximo a uma montanha, no gélido frio. De lá tinha total visão da outra floresta, a floresta congelada onde ele há tempos havia passado fome junto com a irmã. Olhou a sua volta, no bom lugar com um clima mais favorável a caça e sorriu. Olhou então ao longe... Três homens fardados, caminhando em sua direção. João munido apenas com uma lança bem trabalhada, não demonstrou medo... Os homens sacaram suas armas e o cercaram, seguros de sua dominação:

Ora, ora – Disse um deles – Vagamos a semanas nesta mata fechada, finalmente achamos viva alma.

João o entendeu, mas nada respondeu. O homem largou a arma, os outros dois miraram as suas com mais atenção, enquanto o companheiro desarmado arrancou uma bíblia da mochila e perguntou a João:

Você é convertido, menino? È convertido na palavra de nosso senhor?

João foi rude:

Não creio em seu deus perverso.

O soldado sorriu e voltou com a bíblia na mochila. Sorriu aos companheiros e calmo falou:

Neste caso... Te sentencio a morte. A morte imediata.

João sorriu calmo... Os homens prontos a atirar. O outro o olhou e disse antes de ordenar:

Que Deus tenha piedade de seu espirito sujo, garoto.

João assoviou... O assovio atordoante ecoou pela mata e logo os selvagens cães rodearam os soldados. Eles demonstram medo, sendo cercados pela matilha que babava ódio, só esperando pela ordem de João:

São cães adestrados – Disse ele aos homens – Eu pessoalmente os ensinei a mastigar soldados. Devem saber que ao longo dos anos alguns de seus companheiros vieram aqui e se perderam na mata. Não tiveram sorte, este aqui não é lugar pra nenhum de vocês. Vou lhes dizer o que vai acontecer: Não importa o que façam, meus cães avançaram em vocês antes que aproximem o dedo do gatilho. São animais sensíveis, percebem qualquer movimento e ou pensamento de maldade... Vocês estão condenados, meus amigos... E espero que seu deus tenha piedade por suas almas assassinas.

João assoviou de novo... Os cães raivosos avançaram selvagemente contra os soldados, que tiveram a chance de atirar apenas uma vez, fatalmente errando o alvo. João sorriu vendo os homens sendo destroçados pelas mandíbulas dos cães famintos, então, gritou alto:

Não comam os corações! Os levarei a Efênia!

Efênia recepcionou João com um bom prato a mesa. Maria na cabeceira devorava um leitão assado... Estava ainda mais gorda e toda segura de sua gana em comer. João a olhou com desprezo, segurou na mão da mulher e falou:

Lhe trouxe corações de soldados. Estavam mapeando a região quando os encontrei.

A velha abriu a caixa com os três corações e sorriu satisfeita:

Você é um bom garoto, João... Tornou meus dias mais felizes desde que apareceu aqui.

Efênia segurou na mão do garoto e o arrastou para o quarto... Maria distraída, comia desvairada, sem nada perceber.

Enquanto fazia sexo com a mulher, João lembrava de tudo que seu padrasto lhe disse e lhe ensinou... Tratava selvagemente Efênia na cama, e ela gostava... João a humilhava em seus caprichos, como via o padrasto fazer com a mãe, e estranhamente percebeu que ela sentia ainda mais prazer... Ele apesar da disposição, de gozar dos prazeres da juventude, não gostava de invadir aquele corpo velho... Mas sabia que era conveniente satisfazer os caprichos curtos da senhora, que lhe era tão bondosa.


Certa vez ela pediu que João construísse um forno maior no quintal. Quando o rapaz perguntou porque, ela responde:

Meu menino... Sinto em lhe dizer, mas Maria é muito troncha, não passa de um fardo sujo, fardo este que eu e você estamos cansados de carregar. Proponho que a cozinhemos, após o inverno.

João ficou pensativo...Maria era a única lembrança da família que ele tinha. Pensou e de tanto pensar, optou por construir o grande forno.

O inverno corria rápido, e enquanto concluía o forno, pensava na mãe. Será que ela ainda estava viva? Pensou no padrasto, naquele homem rude que fazia de tudo para sobreviver... Viu a irmã brincando com os coelhinhos e sorriu... Teria coragem de cozinhá-la? Talvez não teria...

Olhou para a matilha de Cães que dormiam. Os doze ferozes despertaram com seu assovio. João então perguntou:

São fiéis a mim? São de acordo com todas as decisões que eu tomar?

Os cães pareceram concordar com João. Ele olhou toda a propriedade e indagou:

Este lugar é riquíssimo... Chego a pensar que ele é magico... Muito próspero e farto. Penso em ir buscar minha mãe e viver aqui com ela e minha irmã. Para isto eu teria que... Sabem o que eu teria que fazer...

O labrador branco se aproximou e lambeu os pés descalços de João... Os outros vieram em seqüência e fizeram o mesmo, concordando com qualquer decisões que ele tomasse.

Os dias largos terminaram e a primavera deu o ar da graça. O grande forno já havia sido construído e a velha amolava um grosso facão, sorrindo ao seu amado. João acendeu o grande forno... A lenha virou brasas vibrantes. Ela se aproximou do garoto e o ouviu perguntar:

Acha que a temperatura esta boa? Acha que teremos um bom assado?

A mulher lhe beijou os lábios, passou a língua limbosa por seus dentes e balbuciou:

Mais tarde quero lambe-los e sentir o gosto de sua irmã...

João sorriu, ela se aproximou da grande fornalha:

Esta meu querido... Esta em ótima temperatura... Vou já cuidar do prato principal.

Antes que ela tirasse a cabeça lá de dentro, João segurou em suas pernas e a atirou de vez dentro da grande fornalha. Efênia em desespero tentou fugir... João trancou o forno e a viu inutilmente se esquivar do carvão em brasa:

Maldita seja sua linhagem seu moleque infeliz!

Os gritos da velha ecoavam por toda a floresta... Maria correu em desespero... Os cães de orelha em pé olhavam sua antiga dona agonizar em meio as chamas curtas...

A mulher velha tardava a morrer... João aflito assistia a toda aquela agonia, já arrependido de ter feito o que fez. Maria assustada, pegou a lança de João e cutucava com ela a mulher que ainda gritava, com o corpo todo queimado. A lança entrava em sua carne e trazia com ela um pedaço... Maria ria e atirava os pedaços aos cães, que comiam, esperando por mais. João olhava a tudo aquilo indignado... Ora ou outra ela se deliciava com o macabro assado e o ofertava ao irmão, que indignado, vomitava em desespero.

Era tarde da noite quando a mulher se entregou a morte. Os restos dela queimavam no forno novo, enquanto João contava seu plano a Maria:

Iremos buscar a mamãe. Traremos ela para viver aqui com a gente, começaremos então nova vida.

A jornada é longa, irmão. Não agüento passar por tudo aquilo de novo. Proponho que você vá e me deixe a sua espera.

João olhou para o cranio seco em chamas e bradou:

Você ira comigo. Talvez eu precise de você. Levarei também seis cães e muita comida. Deixarei os outros seis tomando conta da propriedade.

Maria não mais ousou questiona-lo. João armou todas as coisas, pôs um fardo der comida nas costas de cada um dos seis cães escolhidos e se preparou para a jornada do dia seguinte.


Os cães soltos na propriedade receberam a ordem de devorar qualquer invasor. João destruiu o grande forno, a ultima lembrança da antiga proprietária do belo lugar. Deixou que os animais se alimentassem de qual cria quisessem e partiu, com a irmã e sua pequena matilha.

Caminhou pela floresta com sua irmã, brincando com ela e os seis cães... Quando chegou na estrada que separava as duas florestas, parou... Um batalhão de soldados ensangüentados passavam por ela, levando com eles cabeças de ateus, esticadas em pontas de bambus, mostradas como troféus... Esperaram a longa tropa passar e depois entraram na floresta gelada.

João avistou ao longe o grande lobo cinzento. Este veio mais próximo a ele. De longe mostrava sinal de felicidade, mas não se aproximou. Se mantinha longe como sempre fazia.

Os meses fartos se acabaram e a jornada ainda era longa. A comida agora era escassa, pois Maria tinha uma fome totalmente fora de controle. João então se arrependeu de te-lá trazido, deveria ter ignorado seu orgulho e a escutado, quando a mesma lhe propôs que ficasse na propriedade cuidando das coisas. Mas estava ele tão acostumado com sua presença, que não conseguiu mudar de idéia.

Maria reclamava de fome. Os cães famintos seguiam seu mestre.

Os dias correram e estavam eles todos fracos... O lobo cinzento pouco conseguia oferecer a João e sua tropa... E em meio a total escassez, João o ouviu sugerir:

Temos boa historia juntos, não garoto?

Sim – Concordou João – Temos...

Lembro-me como ontem... Ataquei a estocagem de sua família, ao lado de meu velho pai e minha irmã. Meu pai foi alvejado, e mais tarde em nosso novo encontro você executou minha irmã. Não te culpei, pois apreciei seu instinto, já que somos iguais. Mas o fato é que você carrega consigo novos amigos, podem lhes ser muito uteis... É triste vê-los tombar pela fome.

João raivoso encarou o lobo magro e perguntou:

Diga logo, cinzento desgraçado! O que sugere?

O lobo cauteloso, medindo o que ia dizer olhou para a gorda Maria:

Veja sua irmã, um fardo inútil que não precisa carregar. Ela deve ter boa carne, seria muito útil em nossa sobrevivência. Falamos abertamente, João: Da ultima vez minha irmã foi favorável a nossa ultima jornada... Nada mais justo que devorarmos a sua, ou então morreremos... A casa de sua mãe ainda esta a dias daqui... E você já parece perdido.

Não farei! – Respondeu João rangendo os dentes, enquanto seus cães aguardavam ansiosos sua decisão – A ultima pessoa que sugeriu que eu matasse minha irmã teve a carne queimada e serviu de alimento a minha corja.

O lobo olhou ao horizonte congelado e tentou a ultima vez:

Sinto ser persuasivo, rapaz... Mas apenas eu conheço o caminho que leva a casa de sua mãe... Não se esqueça que eu roí todos aqueles ossos que usou para marcar o caminho... Os ossos velhos de seu pai. Diante da fome faço uma ultima proposta: Permita que eu e seus cães deem fim ao sofrimento de Maria. Nos apreciamos de sua carne, você se satisfaz com a gente e seguimos a jornada no caminho certo...

João olhou para a irmã. Maria roía os próprios dedos... Os dedos gordinhos pingavam sangue e ela o chupava, ignorando a dor:

Vamos lá, João – Disse o lobo sarcástico – Antes que ela não deixe nada pra gente!

João abaixou a cabeça. Os cães se levantaram famintos e entenderam o recado. O lobo rápido e rasteiro pulou na jugular de Maria, enquanto os cães mordiam suas pernas e braços... João olhou horrorizado a toda aquela insanidade... Mas seu instinto aguçado fez com que ele fizesse parte do banquete, e junto com o lobo e os cães, devorou insano a gorda irmã.


Dois dias se passaram, João e os cães bem dispostos caminhavam juntos, rumo ao caminho guiado pelo lobo. Os cães então pararam... Ouviram barulhos de armas engatilhando... João olhou para o lobo e com ira indagou:

Você nos traiu!

O lobo cinzento olhou rosnento para João e respondeu voraz:

Como ousa dizer isto? Não seja tolo! Os soldados estão em toda a parte, recrutando novas pessoas para a guerra que estão montando!

João totalmente cercado, levantou as mãos e lamentou a sorte, sendo cercado por inúmeros homens armados até os dentes.


Sons de tiros ecoavam na cidade arrasada... A guerra agora não era contra os ateus, e sim contra os escoceses... João munido com sua arma disparava voraz contra os inimigos, conquistando novo território e cumprindo com seu dever... O tanque sujo de guerra encostou no monumento central, João em posse da bandeira do pais que o adotou, subiu no monumento, arrancou a velha bandeira e colocou a sua... Lá embaixo os soldados vibravam de intensa alegria, saudando o forte guerreiro... A guerra enfim terminou

João com a farda chegou em seu barracão... Os cães e o lobo lhe balançaram o rabo e o ouviram dizer:

Hoje fazem seis anos...

Um jovem soldado adentrou no barracão e anunciou:

Senhor! Recebemos denuncias de um informante que um desertor de anos atrás se esconde em meio a floresta gelada!

João sorriu, soltou os cães e ordenou:

Reúna os homens. Vamos busca-lo!

O lobo refazia o atalho com seu faro seguro... João com os cães e dezenas de soldados seguiam em jipes. O lobo parou diante um grande quintal, a velha casa de João... O rapaz desceu, olhou roupas velhas no varal... Os soldados e os cães rodearam a casa... João gritou:

Sei que esta ai, desertor! Saia para que possa ser julgado!

Minutos depois a grande porta se abriu. João olhou para a mãe, sem os braços e sem uma das pernas, com um pedaço de madeira amarrado no toco da coxa. Concluiu que o padrasto se alimentava dela, durante o grande inverno:

Deixe-nos em paz – Gritou ela – A guerra acabou!

João sorriu, se aproximou da mãe e constatou que seus dois olhos haviam sido arrancados. Acenou a cabeça para o lobo e os cães, que mais que depressa correu em direção a velha e a dilacerou com seus dentes afiados:

Saia daí, seu covarde – Gritou ao padrasto – Se esconde atrás da esposa que devora!

O homem saiu acabado. Na hora reconheceu João, do alto de sua glória. João empunhou a arma... Colocou em sua testa e disse:

Estava certo. Eu precisava mesmo me tornar um homem de verdade.

João – Sorriu o homem – Sabia que aquela carne não era a sua... Estava tão dura para ser carne de crianças...

João jogou a arma no chão e o esmurrava sem piedade, enquanto dizia:

Antônio Tenório, por assassinar três soldados e fujir em sua ultima batalha na condição de comandante contra o rei George, facilitando sua vitória, eu o condeno...

O homem ensangüentado pela surra o olhou sorrindo João sorriu também, pegou a arma do chão e disse antes de descarregar derrotado:

A morte!

Os soldados vibraram... João abraçou seus cães e ateou fogo na velha casa, queimando suas lembranças de menino.

Naquele mesmo dia seguiu na companhia de seus animais até a propriedade que era da velha senhora Efênia.... Deixou o jipe no acostamento da estrada que dividia as duas florestas e seguiu na com a matilha.

Quando chegou no grande quintal, foi surpreendido pelos outros cães raivosos, que confrontaram em latidos os seus. De dentro da velha casa, saiu Efênia, sorrindo, com apenas algumas queimaduras pelo rosto enrugado:

Ora, ora... Se não é o menino João... Agora um homem feito!

João espantado perguntou como aquilo tudo estava acontecendo. A velha devorava uma maçã, enquanto lhe contava:

O fogo não pode destruir a tudo, menino... Ele pode consumir sua lembranças de infância e os cadáveres de sua linhagem indecente... Mas não consomem a mim. Acho justo que viva seus dias de gloria, muito me forneceu de bom antes de me escarrar a morte. Vá em paz, suma desta floresta e viva sua vida. Leve com sigo seu lobo e deixe meus cães.

João olhou para os 12 cães juntos. Olhou para a velha e sorriu. Pôs a mochila nas costas e chamou pelo lobo, que o seguiu por todos os novos caminhos que ousou trilhar.

6 comentários:

  1. Já havia lido no recanto das letras, mas deixo aqui meu comentário, vc arrasou nesse conto, parabéns!!!

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  2. Genial! Eu recebi o link desse conto depois que eu escrevi um pequeno conto relacionado ao canibalismo. Meu amigo pensou que eu tivesse me inspirado neste aqui. Muito legal!

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  3. Embora muito cansativa!O enredo é bom!

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  4. mds o historia grande mais pelo menos é boa

    ksksksks

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  5. nss grande de mais to ate cansada




    ksksksksksks

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